Cineasta conta história mais convencional de sua carreira no filme que estreia nos cinemas nesta quinta (26). Ator lidera elenco com boas participações, como Tilda Swinton e Sophie Charlotte. David Fincher é daqueles diretores que buscam sempre algo diferente. Em “O assassino”, o cineasta conhecido por obras como “Clube da luta” (1999) e “O curioso caso de Benjamin Button” (2008) abraça o desafio de realizar um ótimo filme a partir do roteiro mais careta de sua carreira – e faz parecer fácil.
Não é qualquer um que pegaria a narrativa cansada do matador frio e vingativo, contada desde tempos imemoriais, e injetaria nela estilo e beleza suficiente para fazer deste subgênero cansado algo verdadeiramente seu.
Com um protagonista que parece ter sido feito sob encomenda para o charme meio esnobe, meio perigoso de Michael Fassbender (“X-Men: Fênix Negra”), o filme que estreia nesta quinta-feira (26) nos cinemas brasileiros – e dia 10 na Netflix – prova que acredita no slogan que ilustra seus pôsteres:
“A execução é tudo.”
Assista ao trailer de ‘O assassino’
Muleta como arma
Escrito por Andrew Kevin Walker (que trabalhou com Fincher em “Seven”), o roteiro de “O assassino” se baseia na HQ francesa homônima de Matz e Luc Jacamon – e escolhe um caminho tão óbvio que nem dá pra considerar uma adaptação.
As duas obras acompanham matadores profissionais acostumados ao isolamento da carreira que precisam lidar com os próprios contratantes depois de um trabalho fracassado.
Uma pena que o começo delicioso do filme não mantenha as expectativas que cria. A primeira parte dedica longos minutos aos diálogos internos do protagonista (Fassbender), enquanto passa dias à espera de um alvo.
Alguns podem torcer o nariz para a aparente narração. Muitos acham que o recurso deveria ser quase banido. Mas a interpretação desapegada do ator irlandês, acompanhada das belas imagens e do ritmo casual mantido pelo diretor, colocam o público dentro de sua cabeça.
Dá até a esperança de um filme inteiro com as opiniões e a ética pessoal do personagem, tão desligado da crueldade de suas ações. Infelizmente, com exceção de alguns poucos vislumbres da visão distorcida do assassino, o otimismo não dura.
Pouco depois, a história adota a velha fórmula do homem que mata para proteger uma mulher atacada (a brasileira Sophie Charlotte, em participação rápida, porém competente) – este, sim, um clichê que deveria ser assassinado e enterrado.
E o que se segue nunca fica mais original.
Michael Fassbender em cena de ‘O assassino’
Divulgação
Confie em Fincher
Com isso, resta a Fincher e a Fassbender o desafio de segurar o interesse do público, que consegue ver à distância o que vai acontecer. Mas, neste caso, a execução é tudo.
O diretor segura a tensão mesmo com uma trama previsível ao apostar em silêncios e em expectativas adiadas ao máximo, bem perto de estourar o limite. Uma aula de ritmo e de controle de um dos melhores em atividade.
Para ser justo, ao som da trilha de canções dos Smiths, banda que deve ser a favorita do personagem, tudo fica mais fácil também, mas Fincher vai além.
Depois de ficar conhecido pelas tramas surpreendentes de “Seven: Os sete crimes capitais” (1995) e sua obra-prima de 1999 (vamos ignorar “Alien 3”), o diretor até se enveredou por histórias mais realistas, como “A rede social” (2010) ou “Mank” (2020), mas nada tão lugar-comum quanto “O assassino”.
É como se em algum momento ele tivesse decidido provar que qualquer coisa pode ser boa nas mãos certas. E prova.
Michael Fassbender em cena de ‘O assassino’
Divulgação
Que fase
Em frente à câmera, o irlandês mantém o magnetismo pelo qual é conhecido – uma piada acidental com o vilão mutante dos quadrinhos da Marvel em quatro filmes.
Antes de continuar, vale uma pequena reflexão paralela, no entanto. Por mais que seja celebrado por muitos como um grande ator, e de fato o seja, que fase tenebrosa Fassbender vivia na carreira até 2023.
“Fênix Negra” (2019) foi péssimo. “Boneco de neve”, horroroso (2017). “Alien: Covenant” (2017), fraquíssimo. “De canção em canção” (2017), abaixo da média para o diretor Terrence Malick. “Assassin’s Creed” (2016), uma das piores adaptações de games já feitas.
Com sorte, trabalhar com dois grandes cineastas – seu próximo filme, “Quem fizer ganha”, é dirigido por Taika Waititi – o coloque de volta aos eixos.
Tilda Swinton em cena de ‘O assassino’
Divulgação
Em “O assassino”, ele recebe um papel que parece ter sido feito sob medida e segura o rojão de ser a única constante em um elenco de participações como a da sempre excelente Tilda Swinton (“Asteroid city”).
Desde que se destacou como o soldado britânico infiltrado em “Bastardos Inglórios” (2009), o ator construiu uma reputação com personagens excêntricos ou com moral duvidosa (as indicações ao Oscar por “Steve Jobs” e “12 anos de escravidão” que o digam).
Com Fincher, ele consegue unir as duas coisas e somar um pouco de seu charme característico, um ar esnobe que o mantém sempre levemente acima dos humanos médios.
Um bom roteiro costuma ser a base de um grande filme. Em “O assassino”, ator e diretor provam que regras têm exceções – e que execução pode ser tudo.
Fonte: G1