Filme inspirado em livro de fotos conta uma década na vida de motoqueiros de Chicago, entre os anos 1960 e 70. Austin Butler, Jodie Comer e Tom Hardy são os destaques do longa A proposta de “Clube dos Vândalos”, filme que chega aos cinemas nesta quinta-feira (20), é muito boa: contar a trajetória de um grupo de motoqueiros americanos entre 1965 e 1975, a partir do ponto de vista de uma pessoa que acompanhou tudo bem de perto.
O longa empolga por contar com uma boa reconstituição de época, trilha sonora caprichada e, principalmente, um elenco sensacional que impressiona com seu trabalho. Só que seu ritmo irregular atrapalha e diminui o impacto que deveria proporcionar ao público.
Inspirada no livro de fotos “The Bikeriders”, de Danny Lyon (não lançado no Brasil), a trama é contada pelo ponto de vista de Kathy (Jodie Comer, de “O Último Duelo” e da série “Killing Eve”). A personagem é esposa de Benny (Austin Butler, de “Elvis” e “Duna: Parte 2”), um motoqueiro rebelde que se une aos Vândalos, clube de Chicago criado por Johnny (Tom Hardy) para, originalmente, curtir a liberdade através de suas motos pelas estradas do centro-oeste americano.
Assista ao trailer do filme “Clube dos Vândalos”
Através de entrevistas dadas ao fotógrafo Danny (Mike Feist, de “Rivais” e “Amor Sublime Amor”), Kathy relata como se apaixonou pelo marido desajustado (sempre em busca de alguma confusão) e sua convivência nem sempre tranquila com os amigos dele, em especial com Johnny.
Além disso, ela conta como o clube mudou com o passar do tempo. Deixou de ser apenas um grupo de motoqueiros inconsequentes para se tornar uma gangue cada vez maior, mais criminosa e violenta, o que gera situações que mexem com sua vida, com a de Benny e a de Johnny de forma irremediável.
Quero ser Martin Scorsese
“Clube dos Vândalos” até começa bem, ao mostrar como foi criado o grupo de motoqueiros e como eram as relações entre os participantes, não só entre si, mas também com outras gangues. Em uma das melhores sequências, uma briga generalizada começa sem motivo aparente e termina de forma inusitada. Uma forma de mostrar que, incialmente, os motoqueiros se viam de uma maneira bem menos complicada.
À medida que a trama avança, o diretor e roteirista Jeff Nichols (de “Loving: Uma História de Amor”, 2016) parece perder o fôlego. Sua direção parece tentar copiar o que Martin Scorsese realizou no excelente “Os Bons Companheiros”.
Assim, surgem sequências que tentam mostrar agilidade, ao som de músicas de rock da época (um dos grandes destaques do filme), e momentos violentos que buscam surpreender o espectador pelo inusitado, mas que nem sempre surtem o efeito esperado. Por não conseguir um brilho próprio, o longa impressiona menos do que deveria.
Johnny (Tom Hardy) e Benny (Austin Butler) descansam após uma briga em ‘Clube dos Vândalos’
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O filme de Scorsese não influencia só a forma como “Clube dos Vândalos” é dirigido. O jeito de mostrar o fascínio que o protagonista tem pela vida de rebeldia remete bastante a “Os Bons Companheiros”, até mais do que o necessário.
Nichols também peca em repetir diálogos em cenas diferentes de seu roteiro. Um bom exemplo disso está num momento crucial da trama, em que Johnny faz um pedido a Benny para, pouco tempo depois, fazer a mesma coisa com praticamente as mesmas falas. Isso soa como algo preguiçoso e pouco criativo.
O interesse que o filme desperta em seus 40 minutos iniciais se dilui pouco a pouco, ao trazer cenas que deixam a trama mais arrastada do que deveria. São sequências que não acrescentam informações interessantes ou que possam desenvolver melhor os personagens. Felizmente, o diretor e roteirista não tomba completamente, volta a ter o controle de tudo no terço final e não desperdiça totalmente o material que tinha em mãos.
Cavaleiros de aço
Se “Clube dos Vândalos” não consegue, em termos de direção e roteiro, render tudo o que poderia, pelo menos compensa em relação ao seu ótimo elenco. Em especial no seu trio de protagonistas.
Entre os três, a melhor atuação é, sem dúvida, a de Jodie Comer como Kathy. A atriz inglesa, assim como em “O Último Duelo”, rouba todas as cenas em que aparece, e convence com sua composição de uma mulher americana da década de 60. Ela transmite bem tanto o fascínio quanto o desconforto que sente pela vida que passa a levar depois de se casar com Benny. Os sentimentos conflitantes ficam evidentes nas cenas em que a personagem é entrevistada em diferentes períodos da vida.
Kathy (Jodie Comer) e Benny (Austin Butler) são o casal de protagonistas de ‘Clube dos Vândalos’
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No início, ela demonstra uma certa inocência, que vai dando lugar a um temor por não conseguir mudar o temperamento do marido com o passar dos anos. E isso é demonstrado pela maneira de falar da atriz, num trabalho muito bem realizado por ela.
Tom Hardy não fica muito atrás e também tem espaço para mostrar como Johnny sente cada vez mais o peso de viver nas ruas, à frente de um grupo de desajustados, o que o torna cada vez mais sombrio e distante do que tinha em mente no início de sua trajetória.
O ator transmite bem o peso da mudança que seu personagem tem, além de mostrar muito vigor nas cenas de ação. Além disso, Hardy faz com que a ambiguidade de Johnny o torne ainda mais interessante na telona.
E quanto a Austin Butler? Em seu primeiro filme como protagonista depois de conquistar público e crítica com sua ótima atuação como o Rei do Rock no filme de Baz Luhrmann, o astro está convincente como o bad boy Benny, num papel que certamente seria feito por um jovem Johnny Depp. Mas Butler não está no mesmo nível de excelência de Comer e Hardy, o que torna seu personagem menos cativante do que poderia.
Benny (Austin Butler) e Kathy (Jodie Comer) andando de moto numa cena de ‘Clube dos Vândalos’
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Ele é prejudicado pelo roteiro, que parece não ter lhe dado um material mais rico para trabalhar. Assim, são várias cenas em que o ator só faz poses, caras e bocas sem maior profundidade, quase caindo na caricatura. Ainda assim, ele se vale de uma boa presença de cena para atrair alguma atenção do espectador. Mas dava para fazer melhor.
O que realmente não dá para entender é como o excelente Michael Shannon (indicado ao Oscar por “Animais Noturnos” e mais conhecido como o General Zod de “O Homem de Aço”) é completamente desperdiçado em “Clube dos Vândalos”. No filme, ele interpreta Zipco, um dos motoqueiros do grupo, que aparece muito pouco e faz duas cenas praticamente iguais.
Com o talento que tem, Shannon certamente merecia mais cuidado do diretor, que já tinha trabalhado com ele em outros quatro projetos para o cinema. Já Mike Faist e os outros membros do elenco estão funcionais, sem maiores destaques para suas performances.
Tom Hardy interpreta Johnny, líder de uma gangue de motoqueiros de Chicago em 1965 em ‘Clube dos Vândalos’
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Com uma boa fotografia e um cuidadoso trabalho de direção de arte para reconstituir a época mostrada no filme, “Clube dos Vândalos” poderia ter se dedicado mais em mostrar os efeitos causados pelos eventos sociais e culturais do período, como a contracultura e a guerra do Vietnã (que é até citada, mas muito superficialmente).
Isso serviria para mostrar de forma mais incisiva como foi o apogeu e a queda das gangues de motoqueiros nos Estados Unidos. É um filme que está longe de ser o retrato definitivo dessa época, mas que, mesmo com suas chances perdidas, dá para assistir sem maiores problemas. Ainda assim, está claro que ele poderia ter ido muito mais adiante.
Fonte: G1