Atriz Tainá Muller e a escritora Aline Bei contam sobre a experiência de narrar os livros. Nesta semana, o g1 publica série de reportagens sobre o formato que ganha espaço no país. Artistas famosos e escritores narram audiolivros para plataformas
Bianca Batista e Dhara Assis/Arte/g1
O crescimento no número de audiolivros disponíveis no país abre espaço para que artistas conhecidos do público e os próprios autores das obras façam a narração dos livros de literatura.
Na Audible, da Amazon, por exemplo, Otávio Muller narrou “1984”, de George Orwell, a atriz Gabz gravou “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, foi lido por Marcos Palmeiras.
A escolha por artistas conhecidos vai além de uma estratégia de marketing para popularizar o formato e as plataformas.
“Pela minha experiência, o tipo de voz que mais funcionou, seja na eficiência e até na qualidade e no conforto de se ouvir um audiolivro, são com os atores e atrizes de teatro”, diz André Palme, da plataforma Skeelo. “Isso porque eles conseguem segurar uma narrativa mais longa.”
Audiolivros ganham espaço nas editoras
Celso Tavares/g1
As editoras, no entanto, colocaram também a possibilidade de os os escritores narrarem as próprias obras, como é o caso de Jeferson Tenório, com o livro “Avesso da pele”, e Aline Bei, que gravou “A pequena coreografia do adeus” e “O peso do pássaro morto”.
“Quando é o autor, mesmo que ele seja mais tímido e que evoque menos a dramaticidade do texto, é muito gostoso estar diante do próprio trabalho, contato a sua própria história pela voz”, diz Aline.
Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens sobre o crescimento dos audiolivros e das plataformas no país. Na reportagem desta quinta-feira (11), a escritora Aline Bei e a atriz Tainá Müller contam suas experiências ao gravarem as narrações para o formato.
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Memória afetiva
Uma lembrança que a escritora Aline Bei guarda são os horários de almoço depois de chegar da escola. Era o momento em que, ao lado da mãe, ouvia do rádio a voz de Eli Corrêa em um programa em que lia cartas enviadas à produção em que abordavam a perda de alguém, sempre com o tema “saudade”.
Aline Bei narrou dois de seus livros, ‘A pequena coreografia do adeus’ e ‘O peso do pássaro morto’
Renato Parada
Segundo ela, os audiolivros remetem a esse fascínio do rádio e das radionovelas do passado. “Era um grande momento na minha infância”, afirma a escritora.
“Confesso que sempre sonhei em fazer um audiolivro. Eu sei que é um mercado que ainda está se abrindo para as pessoas, mas eu adoro o formato e tinha muita vontade de experimentar.”
Aline, que é formada em artes cênicas, narrou dois dos seus livros. O primeiro, “A pequena coreografia do adeus”, foi feito em 2021 e o segundo, “O peso do pássaro morto”, foi gravado no ano passado. As experiências, no entanto, foram diferentes.
“Gravei o audiobook ‘Pequena’ um pouco depois do lançamento e uma das coisas que me privilegiou foi justamente o frescor. Estava trabalhando na revisão do livro, estava com ele muito na cabeça. E como eu fui atriz, meu processo de escrita, quando já está para o final, passa muito pela oralidade”, diz.
“Aí, todo aquele cenário, de estar dentro de um estúdio e ficar naquela coisa acústica, oca, bonita, onde você se sente um pouco sozinha com o teu próprio escrito, foi uma experiência maravilhosa. Me diverti muito fazendo.”
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Ana Moscatelli/Arte/g1
Ao todo, foram três sessões para a gravação da narração. Duas delas para a narração de fato e uma terceira para os ajustes. “Por conta do sonho de fazer, achei que ia gravar tudo em um dia só. O produtor avisou que a voz cansa, e eu achei que não ia acontecer”, lembra.
“E cansa mesmo! Foi bonito ver ela cansando. Chega uma hora que a gente para de entregar o brilho.”
Ela conta que o passado como atriz a ajudou a passar pelo processo e não se preocupou tanto com a repercussão.
“Como é meu livro, com a minha voz, eu me senti muito livre para entregar o livro que eu esperava ter escrito e que ainda estava muito fresco.”
Já gravar “O peso do pássaro morto” foi um tanto diferente da primeira experiência, segundo a escritora. O livro foi lançado em 2017 e a narração foi gravada em abril do ano passado.
Aline Bei narrou dois dos seus livros, ‘O peso do pássaro morto’ e ‘A pequena coreografia do adeus’
Reprodução
“Foi um livro que estava mais distante, eu não reli, não tinha feito esse exercício”, diz. “Eu não sou mais a escritora que eu era quando escrevi ‘O Pássaro’. A angústia [em reler] foi maior”, conta.
“Eu compreendo a autora que eu era. Não é o que é melhor, mas é um encontro com uma foto tua antiga, e você vê como colocava as mãos nos bolsos ou os sapatos que usava. Eu mudei, amadureci e foi bonito perceber isso.”
Mais de uma voz
A atriz Tainá Müller se considera uma pessoa mais da leitura tradicional do que uma ouvinte de audiolivro. Ela não conhecia tanto o formato até a editora Companhia das Letras chamá-la para narrar o livro “Bom dia, Verônica”, escrito por Raphael Montes e Ilana Casoy. A obra virou série em 2020 em que Tainá interpreta a protagonista.
“Foi uma proposta interessante, porque eu já tinha feito a série. Ali, no audiolivro, eu falo com muitas aspas, que eu tinha que interpretar os personagens que eu já estava ligada de uma forma muito íntima”, diz a atriz. “Tinha que interpretar a Janete, o Brandão, que foram brilhantemente interpretados pela Camila [Morgado] e Du [Moscovis] e os outros personagens que surgiam. Para mim, foi um desafio.”
Tainá Müller narra ‘Bom dia, Verônica’ e ‘De amor tenho vivido’, para a Companhia das Letras
Divulgação
“Claro que não é uma interpretação como atriz. É outro tom, e eu fui descobrindo também junto com o pessoal do estúdio. É um tom de leitura, mas que era interessante dar um colorido diferente para essas falas, até para a pessoa entender no diálogo, entender quando tinha outro personagem falando.”
A obra narra a história de Verônica Torres, que trabalha na Polícia Civil de São Paulo, mas está afastada de qualquer investigação. Ao receber um telefonema anônimo suspeito, a policial começa a investigar um abusador.
Tainá conta que o desafio também estava em conseguir manter o clima tenso que é demonstrado no livro e na série e não causar confusão com os personagens secundários.
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Ana Moscatelli/Arte/g1
“Era um cuidado para que a leitura fosse fluida, mas não fria, com sutilezas da respiração, pausas, tons mais graves, agudos. Eu conduzia o ouvinte”, diz. “Vinha um personagem que cruzava o caminho da Verônica, então, tinha que fazer uma escolha muito rápida de como é o tom dele. E foi muito divertido, tinha essa direção de ser mais afobada, ou mais dramática.”
Ela conta que chegou a fazer cerca de vinte vozes diferentes, mas que não se cobrava em replicar a narrativa da série.
“Não podia ter a menor pretensão de imitar a Camila ou o Du, até porque porque minha voz nunca vai chegar lá. Eu lembro de como o Du fez a cena, mas eu desapeguei e fiz a leitura, como se estivesse mesmo lendo para alguém.”
Além de “Bom dia, Verônica”, a atriz também foi convidada para narrar o livro de poesias “De amor tenho vivido”, de Hilda Hilst. A escritora, que morreu em 2004, é tema de pesquisas de Tainá.
Tainá durante as gravações da terceira temporada de ‘Bom dia, Verônica’
Reprodução/Instagram
“Foi uma delícia para mim. Eu sempre tive dificuldade com o gênero poesia, não me pegava pelo estômago”, afirma. “A poesia da Hilda fez eu me apaixonar pela poesia.”
A atriz conta que seu processo, neste caso, foi bem diferente, com outro ritmo e pausas estratégicas.
“Poesia é para ser lida em voz alta. A Hilda mesmo falava que a poesia é como um canto. O poeta é um cantor”, diz. “E eu me deixei levar mais pelo fluxo, por sentir mesmo, é bem mais sensorial do que a literatura.”
Ela acrescenta que o formato do audiolivro pode ser mais uma forma de contar história e que cresce o debate ao acrescentar visões a mais para o enredo.
Pausas estratégicas, fluidez e vozes diferentes são alguns dos desafios para as gravações de audiolivros
Ana Moscatelli/arte/g1
“Cada vez mais a gente vê que uma história pode ser contada de infinitas formas, com suas sutilezas, com as escolher que se faz ao contá-la, das palavras ao tom”, diz. “É muito ancestral: a gente não tinha escrita, as histórias eram contadas e interpretadas pelo contador e cada um trazia a própria interpretação. É muito interessante.”
Fonte: G1